O SENHOR IBRAHIM E
AS FLORES DO CORÃO
Um texto de Eric-Emmanuel Schmitt
Em
Paris, nos anos 60, Momo, um rapazinho judeu de doze anos, torna-se amigo do
velho merceeiro árabe da rua Bleue. Mas as aparência iludem: o Senhor Ibrahim,
o merceeiro, não é árabe, a rue Bleue não é azul e o rapazinho talvez não seja
judeu.
Um representação exemplar - Teatro
Meridional
Miguel
Seabra
"-
Porque nunca sorris, Momo? - perguntou-me o Senhor Ibrahim.
-
Sorrir é coisa para pessoas ricas, senhor Ibrahim. Não tenho meios para isso.
Para
me aborrecer começou precisamente a sorrir.
-
E julgas que eu sou rico?
-
Tem sempre notas na caixa. Não conheço ninguém com tantas notas à frente
durante todo o dia.
-
Mas as notas servem para pagar a mercadoria e a renda. Sabes, pouco me resta no
fim do mês.
E
sorria ainda mais, como que para me provocar.
-
Senhor Ibrahim, quando digo que é uma coisa de pessoas ricas, quero dizer que é
algo para pessoas felizes.
-
Pois bem, é aí que te enganas. É o facto de sorrir que nos faz felizes.
-
Uma ova.
-
Experimenta.
-
Uma ova, já disse.
-
És bem educado, não és, Momo?
-
Que remédio, senão apanho uns tabefes.
-
É bonito ser bem-educado. Amável é ainda melhor. Experimenta sorrir e logo
verás.
(...)
No
dia seguinte comporto-me mesmo como um doente que tivesse sido picado toda a
noite: sorrio a todos.
-
Não, senhora doutora, peço desculpa mas não compreendi o exercicio de
matemática.
Pumba:
sorriso.
-
Não consegui fazê-lo!
-
Pois bem, Moisés, vou explicar-te outra vez.
Nunca
tinha visto uma coisa assim. Nada de descomposturas, nem de avisos. Nada.
Na
cantina...
-
Não se importa de me dar mais um pouco de creme de castanha?
Pumba:
sorriso.
-
Sim, com queijo fresco...
E
obtenho-o.
(...)
É
a embriagez. Já nada me resiste. O senhor Ibrahim deu-me a arma absoluta.
Metralho toda a gente com o meu sorriso.
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