Quarenta anos depois
do 25 de Abril, que televisão temos? E que televisão não temos? — este texto
foi publicado no Diário de Notícias (8 Abril), com o título 'Qual é o 25
de Abril televisivo?'. João Lopes
Consulto
o programa de Abril da Cinemateca Portuguesa. O ciclo “25 de Abril, Sempre” é o
acontecimento dominante, com uma primeira parte designada “O Movimento das
Coisas”, dedicada “ao cinema documental feito em Portugal nos
primeiros anos da revolução” (a segunda parte, “sobre a memória da revolução”,
está agendada para o mês de Maio). O ciclo abre e fecha com dois títulos do
mesmo cineasta, Alberto Seixas Santos, Brandos Costumes (1975) e Gestos
& Fragmentos (1982), uma curiosidade que envolve um inevitável valor sintomático
— Seixas Santos é um dos exemplos mais extremos, e também mais fascinantes, de
um autor que arriscou experimentar os mais diversos registos narrativos, do
documentário ao melodrama, para lidar com os temas, assombramentos e silêncios
do nosso labirinto histórico.
Dito
isto, importará lançar uma dúvida metódica que transcende o (notável) trabalho
de sistematização de memórias desenvolvido pela Cinemateca. Dúvida dialéctica,
poderemos dizer, se a palavra não ofender as sensibilidades de uma direita
receosa de lidar com o seu próprio passado e de uma esquerda cada vez mais
pueril, crente de que a invocação automática da “revolução” a dispensa de
pensar o contraste entre as memórias que apregoa e o presente em que vivemos.
O
presente, justamente. Quarenta anos depois dos eventos transformadores de 1974,
onde está a vontade política de pensar a situação do audiovisual português e,
muito em particular, a degradação de padrões de comunicação que tomou conta de
importantes sectores do espaço televisivo? Importa, creio eu, relançar a
pergunta já clássica — “foi para isto que se fez o 25 de Abril?” — e enfrentar
algumas perplexidades. Por exemplo: será que o 25 de Abril se fez para
massacrar o povo com os horrores do Big Brother e da “reality TV”,
favorecendo uma visão instrumental, desumanizada e pornográfica das relações
humanas? Ou ainda: será que alguma ideia gerada pelo 25 de Abril implicava que
a telenovela triunfasse, nas narrativas e na gestão financeira, como padrão
dominante da ficção audiovisual?
Já
nem se trata de relançar a estafada discussão sobre o “serviço público”
televisivo que, perversamente, foi sendo esvaziada de qualquer significado
operante. E também não se pretende sugerir, de modo algum, que estaríamos no
melhor dos mundos se alguns valores comunicacionais fossem coercivamente
impostos (embora houvesse fundamento legal para o fazer). O que importa
revalorizar é, afinal, um princípio inerente à sensibilidade do 25 de Abril. A
saber: a urgência, não apenas de cultivar as memórias, mas também de perguntar
que futuro social estamos a construir através do presente televisivo que
vivemos e, de algum modo, praticamos. Isto porque, salvo melhor opinião, o
espaço televisivo não é um espelho neutro de coisa nenhuma, mas um agente
activo e, sobretudo, omnipresente da vida social.
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