DIA 0 / Nunca fui de acreditar muito em
coisas como homeopatia, acunpultura, etc… embora reserve sempre estes assuntos
para uma gaveta onde guardo os não explicáveis, os desconhecidos, os
incompreensíveis… na esperança que um dia ainda lá vou na busca de resolver perguntas
perdidas ou necessidades prementes. No outro dia, a juntar à lista, veio, em
conversa informal numa quente tarde de verão, a histórias das feromonas
humanas. Este é outro assunto que está na tal gaveta, embora saiba que no mundo
dos seres vivos (em particular insectos e plantas), as feromonas são moléculas
identificadas, de estrutura já conhecida; utilizando diferentes aromas ou
mensagens químicas, como meio de comunicação, vários códigos são enviados em
geral por via aérea. Tudo tem a ver com receptores e reconhecimento molecular.
Mais discutida e menos estudada a suspeita de feromonas humanas. A sua presença
parece pairar e quase demonstrada em comunidades fechadas, por exemplo de
mulheres, que pelo facto de estarem juntas (mosteiro, colégio) entram numa
espécie de bio-ritmo ressonante, como por exemplo, ciclos menstruais. Uma explicação é que compostos voláteis
relacionados com o despoletar do evento são transmitidos e reconhecidos pelas
comunidades. Suskind, no livro “O Perfume” fala neles e não é por acaso que o
heroí, usando a sua produção sensorial, atrai multidões e é literalmente comido,
como que num acto de “amor e atracção”.
De
divagação em divagação falámos nos hábitos de leitura, do gostar de ler e não ler,
e se por acaso haveria moléculas que poderiam ser reconhecidas e levar a
desejos compulsivos de leitura. Numa nota de rodapé, este problema do controlo
consciente ou inconsciente de multidões tem o que se lhe diga, e até leva a
pensar se os grandes ditadores não teriam conhecimento deste know-how.
Tudo
isto ficou a fervilhar…
DIA 1 / Entre a Química e Bioquímica
deve haver metodologias a experimentar que possam dar alguma satisfação
intellectual ao problema. A Clara Pinto Correia, num conto escrito há anos, aplicava
metodologias destas áreas para estudar ficcionalmente a molécula do prazer. O
problema é tentador, desafia qualquer um… e se não se tentar nunca se sabe… existem
as tais moléculas da leitura (MdeL)? Etapa inicial = procurar compostos
voláteis num ambiente fechado em que uma elevada população estivesse a ler. Uma
Biblioteca seria um local potencialmente a ser explorado. As MdeL, expiradas
pelos leitores/amadores (no sentido de amar ler), deveriam estar no ar ambiente
e deveriam transmitir na vizinhança indução de mais hábitos de leitura.
Premissa elementar: os métodos experimentais exigem concentrações apreciáveis.
Em princípio a ideia seria concentrar o ar ambiente, adsorver os componentes
voláteis num suporte próprio e purificar as MdeL. Em etapas intermediárias, em
que a ftriagem fosse feita, deveriam permitir ter fracções que o próprio
experimentador podia usar (ou num colaborador conveniente, cúmplice e crédulo)
e registar se sentia desejo aumentado para o acto de leitura.
DIA 2 / Tentiva de design de um sistema
experimental. Um grande saco afunilado com uma sucção colocada no fundo, onde
entreposto seria posto um adsorvente (vários materais seriam testados… carvão
activado, silica gel, zeolite). Um esquema foi desenhado. (ver esquema que deve
ter um ar de Leonardo da Vinci).
DIAS 3 e 4 / Tempo de aquisição e construção
do protópito.
DIA 5 / Obtenção de licensa para
colocação do captador de MdeL num local duma Biblioteca (muito frequentado) e dissimulado.
Todo o sistema foi optimizado para ser silencioso (amortecedores de espuma na
base da instalação e uso de um motor/ventilação /sucção adequado).
DIA 6-10 / O sistema usando silica gel
esteve a operar em contínuo. O adsorvente foi retirado e colocado num
Erlenmeyer fechado em atmosfera inerte. Retirada com uma seringa uma parte do
espaço gasoso a inalação do mesmo não produziu efeitos… nem motivações, nem
alteração de disposição. A pensar num modo de extrair algum material que possa
estar absorvido.
DIA 11 / O material foi dividido em 3
partes e posto em contacto com um solvente aromático, um apolar e um polar
(água), tudo em atmofera inerte de azoto. Agitação contínua do sólido na
presença dos solventes testados. Centrigugação dos 3 conteúdos para remover o
sólido. Evitar respirar o solvente aromático.
DIA 12 / Todos os extractos foram
submetidos a técnicas analíticas, de cromatografia e de espectrometria de
massa. Não foram detectados compostos.
DIA 13 / Para refletir e não desistir.
DIA 14 / Repetir todo o processo usando
carvão activado. Montagem do sistema.
DIAS 15-20 / Sistema com carvão
activado a operar em contínuo.
DIA 21 / Extracções com os 3 sistemas
anteriormente descritos.
DIA 22 / Análise química. A
cromatografia e a espectrometria de massa detectam um composto de baixo peso
molecular no solvente aquoso. Estimulante este resultado. Parece ser um
composto único o que vai facilitar a identificação. Transferida uma alíquata da
solução aquosa contida em sistema fechado e deixáda aberto ao ar. Nova análise não
detecta nenhum composto. Deve ser muito volátil ou sensível ao ar.
DIA 23 / A exitação do momento não
deixa descansar.
DIA 24 / Miro e remiro o fraco e a
solução aprisionada em atmosfera inerte. Preciso de fazer algo mais para
avançar na identificação do composto. A tentação é muito grande. Abrir o frasco
e inalar/respirar. O suor escorre pelas fontes. As mãos tremem. Terá algum
efeito?… toxicidade, dependência, efeitos colaterais … será apenas um sonho em
solução aquosa?
DIA 25 / A situação está a ultrapassar
os limites.. não como, não durmo… pergunto se devo patilhar com alguém,
correndo o risco de ser considerado pouco credível, louco…
Aquele
frasco é uma lâmpada mágica, uma poção mágica… o talvez seja nada.
É
impossível… imparável… Vou abrir um pouco o frasco, respirar… abro… tremo…
Inspiro num grande amplexo…
DIAS XX / Não sei quantos dias se passaram.
Entrei num estado de sonulência, semi-consciência, letargia!
Devo
ter acordado entretanto… agora, ontem, há quanto tempo?
Estou
magro e esfomeado. À minha volta a sala parece ter sofrido um turbilhão. Os
livros estão fora das estantes… ahhhh… Tenho estado a ler, estou a ler, quero
ler, não posso parar de ler… queridos autores… companheiros generosos, tanto
saber, tanta informação, tanto desafio A leitura parece facilitada, meus olhos
são leitores quase digitais, metamorfoses adaptadas a este novo estado. Estou
feliz, meus receptores estão saturados por essa molécula que se adsorveu no
carvão activado... não quero saber o que é… sei que existe e me fez ultrapassar
e viver um estado espiritual diferente… nem sei porque estou a escrever?
O que quero é ler, ler, ler…
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