PONTOS KAFKIANOS
Não sabia como acontecia aquilo. E “aquilo” já durava há anos... de modo intermitente mas com certa continuidade.
A primeira vez acontecera, quando andava a estudar ...
Despertou, certa manhã, de um sono agitado e viu-se transformado num ponto.
Pois exatamente um ponto ... negro, redondo.
Permaneceu assim na cama, imóvel ... bem ... rebolando um pouco de um lado para o outro ... um ponto negro debaixo de um lençol branco ...
Confuso não é? Mais tarde, cinco anos depois, inspirado talvez pela experiência anterior, aparecia como dois pontos, depois transformava-se em três pontos, estilo reticências ...
O estranho é que o fenómeno, de que vimos a falar, acontecia agora de modos imprevisíveis, sem nexo ou ordem, e preocupava-o se alguém o observava ou questionava.
Mas agora a transformação era múltipla... ponto de interrogação, ponto de exclamação ... parecia o prontuário.
Interrogava-se, maravilha-se, espantava-se ...
Questionava-se... seria capaz de repetir e continuar com novas experiências e ter controlo nos acontecimentos?
Afinal ainda não tinha esgotado a pontuação.
Fonte de inspiração
Texto de João Aguiar numa das histórias de “O Canto dos Fantasmas” (D.Quixote)com traços da temática de “A Metamorfose” de Franz Kafka (Livros do Brasil).Este conto breve é um texto truncado de um mais longo - Cena única de uma peça para um autor só. Um monólogo que sub-entende um interlocutor (psiquiatra) “presente” (ausente da cena) que não participa na representação. Um ator vestido de preto, cena minimalista, luz forte dirigida sobre o ator projetando sombras. O ator sentado pode jogar com movimentos de cabeça e olhar para o além quando pretende interatuar com a “outra personagem” e contar os acontecimentos bizarros.
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