sexta-feira, 11 de abril de 2014

25 de abril agora... o que se diz...

Quarenta anos depois do 25 de Abril, que televisão temos? E que televisão não temos? — este texto foi publicado no Diário de Notícias (8 Abril), com o título 'Qual é o 25 de Abril televisivo?'. João Lopes


Consulto o programa de Abril da Cinemateca Portuguesa. O ciclo “25 de Abril, Sempre” é o acontecimento dominante, com uma primeira parte designada “O Movimento das Coisas”, dedicada “ao cinema documental feito em Portugal nos primeiros anos da revolução” (a segunda parte, “sobre a memória da revolução”, está agendada para o mês de Maio). O ciclo abre e fecha com dois títulos do mesmo cineasta, Alberto Seixas Santos, Brandos Costumes (1975) e Gestos & Fragmentos (1982), uma curiosidade que envolve um inevitável valor sintomático — Seixas Santos é um dos exemplos mais extremos, e também mais fascinantes, de um autor que arriscou experimentar os mais diversos registos narrativos, do documentário ao melodrama, para lidar com os temas, assombramentos e silêncios do nosso labirinto histórico.
Dito isto, importará lançar uma dúvida metódica que transcende o (notável) trabalho de sistematização de memórias desenvolvido pela Cinemateca. Dúvida dialéctica, poderemos dizer, se a palavra não ofender as sensibilidades de uma direita receosa de lidar com o seu próprio passado e de uma esquerda cada vez mais pueril, crente de que a invocação automática da “revolução” a dispensa de pensar o contraste entre as memórias que apregoa e o presente em que vivemos.
O presente, justamente. Quarenta anos depois dos eventos transformadores de 1974, onde está a vontade política de pensar a situação do audiovisual português e, muito em particular, a degradação de padrões de comunicação que tomou conta de importantes sectores do espaço televisivo? Importa, creio eu, relançar a pergunta já clássica — “foi para isto que se fez o 25 de Abril?” — e enfrentar algumas perplexidades. Por exemplo: será que o 25 de Abril se fez para massacrar o povo com os horrores do Big Brother e da “reality TV”, favorecendo uma visão instrumental, desumanizada e pornográfica das relações humanas? Ou ainda: será que alguma ideia gerada pelo 25 de Abril implicava que a telenovela triunfasse, nas narrativas e na gestão financeira, como padrão dominante da ficção audiovisual?

Já nem se trata de relançar a estafada discussão sobre o “serviço público” televisivo que, perversamente, foi sendo esvaziada de qualquer significado operante. E também não se pretende sugerir, de modo algum, que estaríamos no melhor dos mundos se alguns valores comunicacionais fossem coercivamente impostos (embora houvesse fundamento legal para o fazer). O que importa revalorizar é, afinal, um princípio inerente à sensibilidade do 25 de Abril. A saber: a urgência, não apenas de cultivar as memórias, mas também de perguntar que futuro social estamos a construir através do presente televisivo que vivemos e, de algum modo, praticamos. Isto porque, salvo melhor opinião, o espaço televisivo não é um espelho neutro de coisa nenhuma, mas um agente activo e, sobretudo, omnipresente da vida social.

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