quinta-feira, 30 de agosto de 2018

Contos breves (insólitos ou não ) (3)

PONTOS KAFKIANOS

Não sabia como acontecia aquilo. E “aquilo” já durava há anos... de modo intermitente mas com certa continuidade. 
A primeira vez acontecera, quando andava a estudar ... 
Despertou, certa manhã, de um sono agitado e viu-se transformado num ponto.
Pois exatamente um ponto ... negro, redondo. 
Permaneceu assim na cama, imóvel ... bem ... rebolando um pouco de um lado para o outro ... um ponto negro debaixo de um lençol branco ...
Confuso não é? Mais tarde, cinco anos depois, inspirado talvez pela experiência anterior, aparecia como dois pontos, depois transformava-se em três pontos, estilo reticências ...
O estranho é que o fenómeno, de que vimos a falar, acontecia agora de modos imprevisíveis, sem nexo ou ordem, e preocupava-o se alguém o observava ou questionava. 
Mas agora a transformação era múltipla... ponto de interrogação, ponto de exclamação ... parecia o prontuário.
Interrogava-se, maravilha-se, espantava-se ...
Questionava-se... seria capaz de repetir e continuar com novas experiências e ter controlo nos acontecimentos?
Afinal ainda não tinha esgotado a pontuação. 












Fonte de inspiração
Texto de João Aguiar numa das histórias de “O Canto dos Fantasmas” (D.Quixote)com traços da temática de “A Metamorfose” de Franz Kafka (Livros do Brasil).Este conto breve é um texto truncado de um mais longo - Cena única de uma peça para um autor só. Um monólogo que sub-entende um interlocutor (psiquiatra) “presente” (ausente da cena) que não participa na representação. Um ator vestido de preto, cena minimalista, luz forte dirigida sobre o ator projetando sombras. O ator sentado pode jogar com movimentos de cabeça e olhar para o além quando pretende interatuar com a “outra personagem” e contar os acontecimentos bizarros.  

sexta-feira, 24 de agosto de 2018

Contos breves (insólitos ou não) (2)

O SAMOVAR

“La Place Rouge ètait vide”… devant moi ne marchait pas Nathalie (*)… 
Caminhava tiritando de frio, daquele frio que penetra os ossos, embora vestido por camadas de roupa, como uma cebola. Em Londres não havia temperaturas destas. Frio de Moscovo, janeiro no seu melhor (ou pior)… a colega russa caminhava apressada, quase indiferente e aclimatada. Não se podia perder o metro matutino para chegar a tempo ao Parque Izmailovsky. Muito artesanato para ver, proveniente de todos os cantos da URSS (na altura ainda indivisa). As condições climatéricas eram implacáveis… nem obras, bordados, pinturas, relíquias aqueciam a alma. Uma fogueira improvisada, ao ar livre, foi abrigo e alento, acompanhado dum trago de vodka, partilhado e generoso. A colega apontou para uma bela peça de casquinha, um lendário Samovar (com depósito para brasas e tudo e com uma torneira rara), que prometia proporcionar uma boa conversa em torno de um chá distante… quem sabe de Samarcanda. O preço não exagerado, mas equivalente ao salário da colega... Pensou, pensou… e quando voltou a Londres foi reler o W. Somerset Maugham, “O Samovar e outras histórias”… e que bem soube … como um “chá justo”, “exquisite, dramatic, torrid, and tragic”, como a vida de Maugham (**) e de outros.

(*) NATHALIE- BECAUD https://www.youtube.com/watch?v=asAepCRxpek

(**) W. Somerset Maugham, British playwright, novelist and short story writer. 


domingo, 19 de agosto de 2018

Contos Breves (insólitos ou não) (1)

SOLIDÃO? LOUCURA?
Uma esplanada/restaurante “al fresco”, numa noite quente. Ela chega. Confiante nos seus calções curtos e blusa leve e larga. Pede uma mesa para dois. Os movimentos eram relax. Olhar longíquo, como se estivesse à espera de alguém. Momentos passam e passam. Olhou nervosamente a ementa como que indecisa. Chamou o empregado. Pediu dois dry martinis (vodka). O empregado, com brevidade, trouxe as bebidas e alguns aperitivos. O tempo passou… bebeu um dos martinis e depois o outro, num trocar de copos subtil. O olhar sempre longínquo. Chamou a empregado… percorreu a ementa e pede dois pratos, uns nachos e um ceviche. O empregado pergunta se serve os pedidos de imediato. Claro, claro, diz ela. Saborea os nachos, trocou os pratos subtilmente, e devorou o ceviche. Sempre calma e longínqua. O empregado foi chamado para pagar a conta. O cartão de crédito foi ativado … o empregado, conivente, pergunta se TINHAM gostado do jantar.
Textos a continuarem… baseados em observações esporádicas e completamente fantasiados. Uma experiência...
“A arte do conto exige uma escrita intensa e uma mecânica narrativa rápida e eficaz, que conduza o leitor a um final aberto ou fechado” José Fanha
Imagem: Uma Página de Loucura (Teinosuke Kinugasa, 1926)
Imagem: Uma Página de Loucura (Teinosuke Kinugasa, 1926)

sábado, 18 de agosto de 2018

Frida frente a frente

Pés, para que os quero, se tenho asas para voar?



No Porto, o Centro de Fotografia recebe Frida Khalo em 2018.
A exposição propõe ao visitante um passeio pela intimidade da artista: fotografias de Frida ainda em criança e da sua família permitem entrar no seio familiar da pintora e conhecer os seus pais, avós e tios. Algumas imagens são acompanhadas de mensagens escritas pela artista, que ajudam a identificar as pessoas fotografadas. 

Origens, A Casa Azul, Política, Corpo Acidentado, Amores e Fotografias
Os Amigos, os Intetectuais que a roderam (de Breton, passando pelos Muralistas (em particular o seu companheiro Diego de Rivera) até Trosky).

Visitar as três salas permite entrar em contacto com momentos determinantes da vida da artista. Desde o acidente que a incapacitou à recuperação, passando por imagens de homens e mulheres com quem mantinha relações extraconjugais, as fotografias mostram como Frida se comportava, relacionava e via o mundo. 
Frida Kahlo - as suas fotografias poderá ser visitada até 4 de Novembro. Além das imagens, estará também em exibição um documentário sobre a vida da artista. O preço do bilhete é de oito euros para o público geral e de seis euros para estudantes, mas há preços especiais para crianças, famílias e grupos, que podem ser consultados aqui. Parte da receita angariada reverte a favor da Associação Salvador, que promove a integração de pessoas com deficiência motora.  



A exposição já tinha sido apresentada em Lisboa em 2012. 
O Centro de Fotografia está instalado na Antiga Cadeia e Tribunalda Relação do Porto. 
A visita ao espaço (e às enxovias) vale a pena. 

quarta-feira, 1 de agosto de 2018

Sapiens e Deus

Yuval Noah Harari é professor do departamento de História da Universidade Hebraica de Jerusalém. É especialista em história mundial, medieval e militar.

Duas obras de vulto. Finalmente houve tempo para as ler.

Sapiens – Uma breve história da humanidade
O autor repassa a história da humanidade, ou do homo sapiens, desde o surgimento da espécie durante a pré-história até o presente, mas em vez de apenas “inventariar” os fatos históricos ele os relaciona com questões do presente e os questiona de maneira surpreendente. Além disso, para cada fato ou crença que temos como certa hoje em dia, o autor apresenta as diversas interpretações existentes a partir de diferentes pontos de vista, inclusive as muito atuais, e vai além, sugerindo interpretações muitas vezes desconcertantes. 

Homo Deus (no seguimento, mais especulativo)
Explora os projetos, sonhos e pesadelos que darão forma ao século XXI — desde o vencer da morte à vida artificial e coloca as questões fundamentais: para onde seguir a partir daqui? Como proteger o mundo dos poderes destrutivos do ser humano? 

A guerra desapareceu.
É mais provável cometer suicídio 
do que morrer num conflito armado.
A fome está a desaparecer.
É mais alto o risco de obesidade do que de fome.
A morte tornou-se um simples problema técnico.
Não alcançámos a igualdade — mas estamos perto de alcançar a imortalidade.

A história começou quando os homens inventaram os deuses e terminará quando os homens se transformarem em deuses. O que nos reserva o futuro?