domingo, 10 de julho de 2011

… lutando com o canvas…

Dizem que existe o síndroma do papel (da folha) branca … também extensível ao écran, à tela, e ao canvas… Sally Potter assim começava o filme “Lições de Tango”.
Uma metáfora, talvez, isto da página em branco. Representa o começar, o desafio… o sindroma… a folha branca … todo um “landscape” para iniciar algo (escrita, desenho, pintura, projecto, plano, etc) com ideias preconcebidas ou sem… talvez seja melhor assim… começar sem nada na manga e lançar-se no desconhecido, ir criando, procurando forma(s), desenvolvendo ideias, e deixar que elas evoluam, progridam e façam sentido.
Difícil este momento de partir. Peguemos num lápis, numa caneta, num teclado, num pincel, numa espátula, num spray… hesitamos, a passo tímidos e lentos no início… primeiros esquiços, primeiras frases… e a velocidade aumenta e depois todo o processo se acelera e parte num crescendo, crescendo… quase imparável. Quem comanda?… O pincel (a  caneta) desliza. As cores (as letras, os materiais) misturam-se. Uma pincelada (uma palavra) pede outra. Uma curva, uma linha (um sinónimo/antónimo e/ou um anagrama) sugere ou condiciona. O autor/artista entra num debate com a matéria (palavra). O que pensou no início pode tornar-se quase vivo, controlador e exigente, indicando avenidas às futuras progressões. O que pensou no início pode ter adquirido cambiantes inesperadas. Maravilhoso quando a velocidade de cruzeiro é atingida. Não há vontade de parar. Um ponto de “no return”. Para a frente é o caminho. Uma curiosidade enorme aflige o artista, que expectante deseja ver o que se vai passar a seguir e o que vai surgir e acontecer na próxima etapa (curva)… um prazer sensorial/mental indescritível. A folha, a tela, oferecem-se de uma forma generosa, sem tabus, quase sem moral… tudo é possível, não parece haver limites… um estado de fluxo (como na música, como em qualquer arte) em que a comunhão e a mistura atingem aquele amplexo como o encontrado num estado de alma elevado, fora quase dos limites humanos. Então é preciso acordar, tomar consciência, perceber onde se está e que o resultado pretendido possível foi (quase) atingido. Não há perfeição atingível. Há estados de equilíbrio, que passaram por transiências, e que expressam a ideia desejada. Podem ser melhorados, podem ser mais elaborados, mas não vale a pena pois perde-se a expontaneidade e a frescura. Há um ponto em que se deve parar: o resultado dessa luta interior é ter sido encontrado um produto que se espraia pelo suporte escolhido, e se tornou consequente. E deixar aí… mesmo que os materiais (as palavras) insistam em continuar.
E olhar muito tempo mais tarde para o que foi conseguido, com alguma distanciação, e perceber que outros caminhos teriam sido possíveis. E que aquele degrau atingido pode ser um patamar para outros degraus e outras lutas com a folha (tela) branca… E começar de novo, e lutar de novo, e criar algo de novo … e recomeçar, recomeçar numa busca interminável... ganhar muitas guerras para se ter paz (como diz a cantora)!


1 comentário:

  1. Caro "areia",
    Deliciosa organização de palavras...
    Quem assim escreve não sofre de "white page syndrome"...
    Quem lê e sente, é chamado a viver o "prazer sensorial/mental indescritível" ...
    Sentido Obrigado pela partilha...

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