sábado, 8 de setembro de 2018

Contos breves (insólitos ou não) (7)

HAPPINESS

Deram-me o nome de felicidade. Quer dizer, o meu nome era pronunciado em chinês (mandarim), mas era este o significado. Porque os meus pais queriam que fosse feliz ou fizesse as pessoas felizes, quem sabe. Mudámos muito cedo para Londres, nem me lembro de ter vivido noutro local. Sempre me senti bilingue e com duas pátrias, entre duas culturas e idiomas… na verdade nem sei em qual penso ou sonho. A família esmerou-me na língua natal, e as escolas porque passei foram sempre escolhidas, com tal esmero, que se não olhassem para os meus olhos amendoados, teria casting garantido em qualquer peça de Shaw. Nunca me preocupei com bens materiais, nem havia de quê. Business Schools, MBAs, PhD na LSE. A City esperava-me, diria pela red carpet. Inteligente, eficaz, mordaz, exigente, profisional tornava às vezes dificeis as relações com os colegas do outro sexo. Com muitos compromisso sociais agendados, era muito fácil iniciar relações, que nunca duravam muito, por óbvias razões: competição, inveja, outros interesses, a procura do excelente partido que viam em mim. Convidar ao meu apartamento frente ao Thames, perto da Tate, levava os convidados à atitude de algo inatingível…
Afinal era felicidade e o nome não estava a cumprir as suas funções, ponto final. Porque não mudar de atitude. Um blind date, alguém normal, a conhecer do zero. Internet, bar perto de Convent Garden, um drink e talvez continuar num jantar. Tudo combinado por email, hora H, lugar X. Eu indicara uma T-Shirt vermelha e lá estava. Ele chegou, fácil o eye contacto e o reconhecimento. James, alto, descontraído … quebrar o gelo, informáticas e… eu sorri, disse que era muita informação. Perguntou porque não usava whatsapp, redes sociais… tentei modular a minha pronúncia, introduzir palavras que nunca u(ou)saria… e recreeei, no momento,  uma imagem de perfeita alienada dessas tecnologias… James sorriu, nem acreditava que eu existia, e foi desenvolvendo temas do seu interesse, e muito em breve estava a conduzir uma visita guiada às maravilhas das tecnologias… quase tutoriais, mas dados com grande empenho… a abrir uma caixa negra à sua ouvinte (boa ouvite por acaso!). A conversa decorria, era técnica mas ao mesmo tempo havia uma felicidade no discurso… Afinal estava a fazer alguém feliz, escutava… anuia… e estava atenta e presente. No entanto sabemos que temos o lado dual de nos observarmos em simultâneo, e embora feliz, ao mesmo tempo aterrorizada com a estranheza da situação que tinha criado (artificial, cruel?).
Despedimo-nos, ele talvez mais feliz que eu... 
Mas, felicidade talvez seja isto, e vou pensar seriamente em enviar o meu número de whatsapp por email… 
Não lhe disse que me chamava Happiness!

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